sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Livre arbítrio e o problema do mal em Santo Agostinho


Santo Agostinho, mesmo diante de tantos questionamentos jamais deixou de acreditar na existência e Soberania de Deus. Levantou questões polemicas e profundas Como pode haver livre-arbítrio se todas as coisas são causadas pela vontade unívoca de Deus? Para haver livre-arbítrio é preciso haver liberdade de escolha. Mas como pode haver liberdade de escolha num mundo que não poderia ser outra forma? Para que fosse possível que uma pessoa pudesse escolher entre fazer o bem ou fazer ou mal, ou simplesmente virar à esquerda ou à direita, dentro de um sistema de causalidade absoluta, seria preciso algo para causar essa mudança. Se tudo que existe é o bem, e se o mal é o desvio da existência para a não existência, então deve haver algo que impulsiona os seres para o nada, pois o nada não pode agir por si mesmo. A mera possibilidade do nada não explica o mal.
         A tendência dos seres a se corromperem seria uma evidência de que Deus não “preenche” todo o espaço lógico do mundo. É como se Deus tivesse limites, e para além de seus limites está o nada, ou o mal, e algumas pessoas podem se movimentar para lá. Elas fazem isso, segundo Agostinho, porque tendo o pecado original, elas conhecem o bem o mal. Mas como o mal pode ser um conhecimento e um não-ser ao mesmo tempo. Como podemos conhecer o não-ser? O mal pode ter se originado na vontade de ser como Deus, mas como o que participa do ser dá origem ao não-ser? Se algumas pessoas podem estar mais próximas de Deus que outras, e nesse sentido participarem mais completamente da existência, de alguma forma a criação é carente de Deus em sua margem. (...)
         Então os seres também participariam do não-ser, e seriam menos capazes de fazer coisas. Mas os que fazem o mal não parecem ser menos capazes de fazer o bem que os bons. Essa se parece com a tese platônica que a sabedoria também implica em moralidade, e que fazer o bem é idêntico a conhecer o bem. Mas se tudo que existe, existe por causa de Deus, e ele causa todas as coisas, então como culpar a própria criação por não ser plena? Sendo onisciente, Deus devia saber previamente que era impossível que a criação fosse plena, e que sabia exatamente a quantidade de corrupção que inevitavelmente se espalharia pela existência. Se a criação pudesse ser plena, ela seria. Logo a causalidade que levou cada homem ao conhecimento que ele tem de Deus já estava determinado. Sendo assim nenhuma pessoa pode evitar o mal que ela causa, sendo ela imperfeita, e sendo sua imperfeição algo que nem Deus poderia evitar, já que ele não pode criar seres perfeitos.
         Sendo assim, parece até malicioso que um criador condene sua criação a sofrer por algo que ela não poderia ter deixado de fazer, pois o faz por determinação do criador. É a graça divina que dá o conhecimento da verdade ao homem, e não seu próprio esforço, então realmente não há moralidade alguma. Se os homens estão destinados a cumprir o plano divino, estão também destinados a fazer o mal, pois que deus derrama sua graça em proporções desiguais. Assim como Platão, Agostinho acredita na supremacia da razão sobres os sentidos. Deus tem uma razão infinita e fez seres com razão finita. Esses seres estão corrompidos pelo corpo, pela própria existência física. Mas Deus sabia que isso iria acontecer quando se encarnassem, por que então culpar as pessoas por serem encarnadas? Por que não as deixou desencarnadas? O mesmo problema surge em Platão: porque a alma se funde ao corpo? E outro problema se repete: os que nascem cegos, surdos, mudos, sem tato, olfato ou paladar teriam mais chances de serem santos?
            Deus não poderia criar algo infinito, sendo finito. Como pode então criar um ser de vontade infinita, sendo que ele tem apenas uma vontade unívoca? Como não pode criar algo externo a ele, porque não pode haver algo externo a ele, então toda a vontade do homem também deve estar de alguma forma em seu criador. Assim, a vontade de fazer o mal, a vontade de desobedecer e de provar o fruto proibido não poderiam estar fora de Deus. Por que deus deu essa possibilidade se ele sabia que ela se realizaria e que isso traria a corrupção ao mundo a não ser que ou ele queira um mundo corrupto? Como pode o homem ter possibilidade de escolher entre o ser e o não-ser? Pode o não-ser ser alguma coisa? Para nós o que ainda não é e o que já não é mais fazem parte do não-ser, mas não para Deus. Só podemos escolher entre duas coisas que sabemos, escolher o não-ser é escolher sem saber, e escolher sem saber é escolher sem intenção, logo todo o mal seria também uma ação não reflexiva, não consciente, seria uma não-ação.

         Se nenhum homem pode desejar o mal, mas ele sempre o faz por ignorância do bem, mas ao mesmo tempo só podemos conhecer o bem quando ele se revela a nós, pela escolha de Deus, então Deus também está escolhendo aqueles que devem fazer o mal, pois de todos os homens, ele escolhe poucos. Logo, o homem que comete um ato maléfico estaria justificado em dizer: faço porque não sou escolhido para fazer o bem, e nesse sentido também eu ajo para cumprir o plano divino, dado que ele é unívoco. É estranho que Deus puna a maldade, uma vez que ele mesmo determinou quando e como ela deveria ocorrer.

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