segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

LUTA CONTRA O PRECONCEITO



Grupo de Tai Chi Chuan, portadores de autismo em graus diversos.
Apresentação no Festival das Estrelas da cidade de Anjo, 2010.

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Blogagem coletiva
Tema: Inclusão de deficientes físicos/portadores de necessidades especiais na sociedade.
Mais informações no blog da querida amiga Pandora, clique aqui!
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Conto um "causo"...

Lembro-me quando era ainda adolescente...
Casa de cultura - Ipiranga, São Paulo.
Dia de show beneficente, o destaque era um grupo de cantores deficientes visuais.

Chega uma apresentadora toda sorridente.
E começa um discurso longo e chaaaaato, piegas até a raiz dos pentelhos.
Elogia os artistas, "estes deficientes são heróis, estão aqui para provar que o deficiente também pode, que mesmo sofrendo tanto e tento uma vida tão amargurada ainda conseguem sorrir e cantar"...
E toma elogios aos pobres e sofridos deficientes desbravadores, batalhadores, animadores, das dores, sei lá mais o que.

De saco cheio, uma integrante do grupo de cantores deficientes-desbravadores-batalhadores-etc-das-dores, microfone em mãos, disse: a senhora poderia interromper esta humilhação pública para a gente poder cantar? Nosso problema é nos olhos, não na garganta, a gente não vê a flor, mas cantá-la, podemos sim!

Esta menina autista estava no meio do grupo de dança Yosakoi
(Yosakoi, a dança das "castanholas" japonesas, leia/releia o post que fiz anteriormente.).
Igual às outras crianças, ela se esforçou e ficou feliz com sua arte.
Nem mais, nem menos, ela é uma criança esforçada.

Neste dia aprendi que:
- é muito humilhante ser visto como "coitadinho, menos".
- ser visto como herói , por superar obstáculos - cansa.
- é chato que lhe atribuam o papel de "exemplo de vida" quando muitas vezes apenas tenta-se viver melhor.
- deficiente não é coitadinho e sim tem uma condição diferente de vida, com necessidades próprias.

Nosso papel é compreender o modus operandi da vida do outro, que sempre será diferente da nossa, não importa que condição temos. E facilitar, melhorar para todos (exigir rampas de acesso, respeitar vagas de portadores de deficiência em supermercados, etc)
Cada um tem suas deficiências, necessidades e eficiências.
Não devemos é tornar tudo mais difícil... mesmo quando queremos ajudar.

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Me lembro do que diziam alguns amigos portadores de necessidades especiais que faziam faculdade comigo.
Sempre me reportavam que o "preconceito às avessas" cansava tanto ou mais que o preconceito direto.

Para eles, terrível era sair às ruas e ver gente olhando "com cara cheia de ternura e carinho, mãos em tchauzinho e sinais de positivo com a cabeça". Olhares marejados de piedade aos pobres miseráveis deficientes.
Gente que quer expressar sua simpatia e compaixão, trazem docinho e flor ao vê-los na rua, que chora emocionada e consternada quando eles passam.
E quando eles conseguiam subir uma calçada, por exemplo, sempre vinha um sem-noção que  parava e começava a aplaudir, gritando "não desista, você chega lá". Vida que vira um Teleton/Criança Esperança.

Era preciso contar até mil ao ouvir conversinhas do tipo: nossa, você é paralítico, está na cadeira de rodas mas sorri! E eu aqui, "perfeito", só reclamando da vida. Você é ma-ra-vi-lho-so e outras palavras elogísticas heróicas...
Ah, claro! Sem esquecer os que vinham consolar e justificar: aguente firme, meu irmão, isso é resgate da outra vida que você foi muito mal e agora está pagando!

Ai dos meus amigos, quando reclamavam aos piedosos, sempre ouviam: estou querendo ser legal com você, deficiente. E você acha ruim, seu ingrato?

Este tipo de postura muitas vezes é mais excludente que o preconceito direto, por humilhar. Ninguém gosta de ser visto e tratado como menos, inferior, infantilóide.
Fora que deficiente não é dublê de Jesus: eles também tem bons e maus sentimentos, bons e maus momentos, como qualquer pessoa.

O que eles mais desejavam, como deficientes?

Que fossem tratados e respeitados como qualquer cidadão, independente de raça, cor, condição econômica e física também.
Que os ditos "normais" os olhassem na alma, a fim de entender que são gente como qualquer gente neste mundo.
Legal é ser respeitado, não "amado" como se fossem cachorros fofinhos.
E claro, condições sociais para viver de maneira adequada e independente, poder exercer sua cidadania, participação em sociedade.
Apenas isso, o resto eles se viram.

E quem realmente os ajuda é aquela pessoa que naturalmente faz isso com qualquer um. 
Se aproxima num sorriso, age normalmente e bota a mão na massa.
Pessoas que fazem o bem por ser a natureza pessoal delas e não fazem teatro de suas boas ações.

Mais um grupo de pessoas com deficiências diversas - autismo, visão, esquizofrenia, etc.
encontram equilíbrio e paz na suavidade do Tai Chi Chuan.

Gosto dessas apresentações, acontecem por todo o Japão.
Atividades e temas diversos, integração.
Esta é na estação de trem JR Anjo, aqui em Aichi.
Estão lá, deficientes e não-deficientes unidos e compondo um único espetáculo.

Nada de anúncios do tipo: "olha ai os deficientes, os coitados" ou coisa parecida.
Simplesmente fazem sua apresenteção e saem orgulhosos por terem feito tudo direitinho.
Assistir chorando? Só se for pela emoção da apresentação em si, não por eles, que estão atuantes na sociedade, eficientes.


A apresentação foi perfeita.
Claro, porque seria diferente?
Eles não são diferentes de mim nem de você.

Ajuda muito mais quem briga por uma entrada especial para deficientes, placas e papéis em braile, sinal sonoro nos semáforos do que afaguinhos melosos

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